quarta-feira, agosto 29, 2007

Ladakh.


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Dia 105, 5940Km. Leh, India.
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Na noite anterior a nova etapa a pedais, em Vashist, reordenei todo o conteudo dos alforges. Tratava-se da vespera de um desafio e sentia a viagem como um novo comeco.
Observo cada peca de equipamento, sinto a natureza "expedicionaria" de todo o conjunto e um grande privilegio por viver este momento.
Os Himalaias... quem me diria... aqui estou, prestes a pedalar naquela que e apelidada de estrada mais alta do mundo
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Esperavam-me cerca de 500Km ate Leh, capital do Ladakh, tendo que superar dois portos acima dos 5000m de altitude.
Havia que aclimatar, esperando que o corpo, em esforco, reagisse positiva e gradualmente a maior dispersao de moleculas de oxigenio. As distancias, atraves de inospita montanha, entre lugares de abastecimento e dormida, tambem estariam em sintonia com a mesma escala de dificuldade.
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Ca cheguei, ao fim de 7 dias pela cordilheira himalaica, completando o trajecto ate Leh.
Como se nao bastasse sentir-me ja tao realizado por finalizar esta etapa, ter pedalado por paisagens impressionantes na companhia de novos amigos tornou ainda mais grandiosa a experiencia.
Nos ultimos 4 dias viajei com Xavi, Anna e Joan, catalaes, no mesmo tipo de veiculos e autonomia.
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Segue-se o relato, dia a dia, esperando que as imagens complementem o que a descricao escrita nao alcanca.
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Dia 1: Vashist > Khoksar _ 73Km
Saio cedo. Tomo um cafe com leite no mesmo lugar onde no jantar anterior repeti, ja exagerado em dose individual, o prato de esparguete com vegetais.
Havia que armazenar hidratos de carbono.
Vashist esta a cerca de 2000m de altitude e propunha-me alcancar, atraves de uma continua subida de 52Km, o Rohtang Pass, a 3950m.
Nos primeiros Km's encontro varias "lojas" de aluguer de roupa para neve. Do tipo mais engracado, sao uns sobretudos peludos que parecem caracterizar de "urso" quem os enverga. Os principais clientes sao indianos que sobem em excursoes ate ao "snow point".
A medida que o fresco da manha da lugar ao conforto termico dos raios de sol de mais avancada hora, vou subindo gradualmente, fascinando-me com a riqueza da vegetacao. A presenca humana torna-se reduzida assim como a natureza mais espontanea e preservada.
O tempo esta optimo e sinto-me bem, realizando que levo o esforco em boa toma.
Encontro um "engarrafamento" de veiculos que sobem, pois uma curva com piso enlameado torna a passagem mais dificil. Os mais pequenos atascam e todos ajudam para que a estrada fique desimpedida e a progressao continue.
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Por volta da hora de almoco, chego a Marhi (3400m).
Existe um templo e todo o resto das construcoes sao lugares para comer (Dhabas).
Dirijo-me ao "Italian Pizza Hut" na esperanca de encontrar esparguete. Nada, so pratos indianos e o batido e repetido chowmein.
Numa outra dhaba, onde reconheco caracteristicas tibetanas, pergunto por thantuk.
- "Do you have time?", perguntam-me.
- Claro, por thanthuk espero o que for preciso.
Comi uma das melhores sopas ate agora. Ao gaba-la, o satisfeito cozinheiro explica-me que o segredo esta em utilizar pouco oleo. Para que seja mais leve e se destaque o sabor dos vegetais.
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Ainda quero chegar ao Rohtang Pass e descer ate Khoksar, para dormir. Restam-me 16Km e 450m de desnivel. Tinha feito a parte mais dificil.
Passo o "snow point". Nao e mais do que uma timida presenca de neve numa sombria curva.
Ha sempre transito. Autocarros, camioes de mercadorias, 4x4 que fazem de uma tirada o trajecto ate Leh...
Marhi torna-se cada vez mais um ponto distante e a temperatura vai descendo a medida que o nevoeiro se adensa. Dificulta a percepcao da paisagem para alem de poucos metros.
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Cerca das 18:00, coloco a bicicleta junto ao marco que assinala o Rohtang Pass e fotografo o lugar. Quase a 4000m, em bicicleta, sinto esta ascensao como o meu "Toubkal" em duas rodas.
Havia pouco tempo de luz. Visto roupa que me mantenha confortavel face ao impacto do frio da descida e sigo para Khoksar, ainda a 21Km.
O piso esta pessimo, a estrada muito partida.
As vistas sao impressionantes, enquanto desco e a presenca solar se torna menos evidente. Curva apos curva, os pulsos doridos por tanto buraco e pedra solta.
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Khoksar recebe-me de noite. E um lugar com varias dhabas, um controlo policial de passagem e um quartel militar ja do outro lado do rio Chandra.
A policia toma nota dos dados do passaporte e pergunta-me se preciso de um lugar para dormir. Sao muito simpaticos.
-"Do you want a room or a bed?"
-"A bed is more than enough".
Um funcionario leva-me a um dormitorio gerido pelo governo. Uma camarata com umas 20 camas, ao preco unitario de 15 rupias, onde dormirei com a bicicleta a cabeceira e muito mais do que poderia pedir.
Ate a hora, parece que dormirei sozinho. Saio para jantar, arroz com caril de vegetais na dhaba em frente. Esta optimo e picante na mesma proporcao. Registo a media quilometrica do dia que termina enquanto tomo o habitual e nocturno "lemon tea". Um rato observa-me debaixo da mesa em frente, dando conta de algumas migalhas.
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Ja estou deitado quando chegam 3 ciclistas. Sao espanhois, da Catalunha. Fizeram de noite toda a descida a partir do Rohtang Pass, sob chuva intensa.
Mais tarde, chegam varios indianos que falam e fumam como se nao estivesse mais ninguem.
Estou cansado e nao custa nada chamar o sono.
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Marhi.






Snow point.





Rohtang Pass (3950m).




Descendo para Khoksar.

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Dia 2
: Khoksar > Keylong _ 46Km
Cruzo a porta do dormitorio aos primeiros raios de luz.
As dhabas ja funcionam e registam frequencia de camionistas que param para pequeno-almoco. Como uma chapati, picante, com batatas, e acalmo o "fogo" em dois galoes.
Cruzo o rio e sigo ao longo do seu leito, em plano superior, durante varios Km's.
Nem o desnivel, nem a distancia, sao dados previstos em dificuldade para este dia.
Prevejo um dia bem mais relaxado que o anterior.
Ha que ficar mesmo em Keylong. Nao deverei avancar mais. Este e o ultimo lugar mais "civilizado" onde me poderei preparar para o que se segue, ligar para casa e avisar que nao comunicarei por alguns dias.
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A 24Km, em Gondhla, almoco tukhpa (uma sopa com massa de chowmein, bastante condimentada) e em Tandi, 13Km mais a frente, durmo a sesta debaixo de uma arvore. Ineditamente, so sou abordado por um rapaz indiano com as perguntas do costume (sobre a minha proveniencia, para onde vou e dados tecnicos do veiculo) quando ja desperto.
Sinto-me mais cansado. Faz calor e assinalo tambem o excesso do dia anterior.
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Chego a Keylong (3300m) a meio da tarde.
Na Guest House "Sumrila", junto a estrada principal, desco o valor de 300 rupias para metade e instalo-me num quarto que cheira a novo. O senhor que me atende e super simpatico. Tambem tem restaurante e prometo jantar ai.
Antes, desco a povoacao.
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Este e um lugar com vida propria, habitado durante todo o ano. Outros lugares apenas tem movimento durante o periodo em que a estrada esta aberta (meio de Abril a meio de Novembro). Quando a neve torna os passes intransponiveis, a ligacao faz-se apenas de helicoptero.
No lugar onde telefonei, volto a encontrar os ciclistas espanhois. Estao instalados no centro da povoacao. Falamos mais um pouco.
E provavel que nos encontremos, na estrada, no dia seguinte.
Janto muito bem no restaurante da Guest House, recebendo mais uma redobrada dose de simpatia.
Deito-me cedo. Cada vez mais, vou adquirindo um ritmo solar.
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Khoksar.


Criancas em Khoksar.






Gondhla.






Keylong.

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Dia 3: Keylong > Patseo _ 46 + 19Km
Abandono Keylong na primeira hora de luz e baptizo o dia molhando os pes ao cruzar um rio mais profundo do que julgava. Nao havia forma de contorna-lo, interceptava a estrada.
O caminho esta talhado numa encosta, enquanto o vale por onde corre o rio Bhaga proporciona, a Este, as melhores vistas.
Em Jispa, tomo um cha masala e acumulo as calorias contidas em dois chocolates. Ao sair, conheco dois ciclistas que vem em sentido contrario. Um casal, chileno/suica, pedalam desde Srinagar, ao longo de Kashmir. Compraram as bicicletas na India e vem bastante carregados.
Almoco em Darcha, antes da ponte sobre um afluente do Bhaga.
Nesta zona, apenas existem dhabas (lugares para comer). A povoacao fica do outro lado do rio.
Volto a atacar chowmein com vegetais.
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A partir do rio, ha que subir bastante. Uma larga subida com vento forte que me ajuda na parte "zig" da tipica configuracao das estradas de montanha.
Arrefece. Observo, num outro vale, o ambiente de tempestade. Deve chover com intensidade.
O piso torna-se muito mau e, a certa altura, tambem me toca sentir a chuva que vem cumprimentar o frio.
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Chego a Patseo (3830m).
Existem duas dhabas construidas em pedra empilhada sem argamassa e, apos cruzar de novo o rio, um posto militar.
Para entrar em calor recorro de novo ao cha. Desta vez com gengibre e acompanhado de dois ovos cozidos. A rapariga que me serve tem a cara completamente tapada, em proteccao termica. Na expressao dos olhos, percebo a sua delicadeza e simpatia.
Fala bem ingles. Combino voltar para jantar e vou tentar alojamento junto dos militares.
No quartel, encontro os homens de verde embrulhados em sacos-cama, a descansar na camarata.
Sim, e possivel dormir. 400 rupias.
Tento descer o valor. Digo que vem mais 3 amigos em bicicleta (os espanhois).
Ja vai em 300 por cabeca...
Continua a ser muito. Nao ha nenhum quarto com menos comodidades? (Este tinha uma cama e casa-de-banho adjacente, com agua fria, nao canalizada).
Mostra-me outra divisao, completamente vazia, onde poderei dormir no chao, por 200 rupias.
Continua alto. Deixo os alforges e digo que vou dar uma volta.
Convinha-me pedalar e subir mais um pouco, para aclimatar.
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Pedalo 9 Km ate Zingzingbar (4287m).
Desco directamente a dhaba para jantar. Peco arroz com vegetais e assisto a demorada preparacao. Tudo e feito no momento. O fogao a petroleo necessita tambem de ser previamente aquecido para facilitar a combustao. Um moco nepales ajuda a rapariga, descascando batatas, ervilhas...
Quando regresso ao quartel, ja tenho direito a um quarto com cama e casa-de-banho, ainda por 200 rupias. Nao consigo baixar mais.
Os espanhois ja tinham chegado. Saem para jantar a hora a que me deito.
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Darcha.





Darcha vai ficando mais longe...








Patseo.



Zingzingbar.

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Dia 4: Patseo > Sarchu _ 64Km
Nesta manha, forma-se a equipa luso/catala. Tomamos o pequeno almoco juntos.
Com Xavi, Anna e Joan, abordamos a primeira subida ate Zingzingbar, o mesmo trajecto que ja conhecia do dia anterior. Joan apercebe-se de que deixou o anorak na dhaba onde comemos e volta atras. Esperamos em Zingzingbar, assistindo divertidos ao modo lento em que uns operarios se dedicam a reconstrucao de parte de uma casa.
Mais a frente, os quatro reunidos, tomamos novo cha em outra dhaba. Continuamos a subir. Espera-nos o colo de Baralacha, a 4880m de altitude.
Paro muito para fotografar e vou ficando para tras. Acabo por subir sozinho.
Nao aprecio nenhum tipo de bolachas. Raramente recorro a este tipo de comida.
No entanto, aqui, a variedade de mantimentos nao abunda. A meio da subida como um pacote inteiro de bolachas de glucose...
A altitude comeca a sentir-se. A par do esforco, doi-me ligeiramente a cabeca. Sei que e um sintoma normal, aparecendo em cotas com estes valores.
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Quando chego ao topo, ja os meus companheiros estao a comer, abrigados do vento por umas ruinas. Estao tambem alguns ciclistas eslovacos, que descem, sem bagagem pois vem numa viagem organizada, com carro de apoio.
Valemo-nos da gravidade por 10Km e paramos em Bharatpu, onde existem algumas dhabas.
Comemos a serio. De novo, arroz com vegetais e copos de cha...
O resto do dia pedalamos de forma mais ligeira, em plano ou descendo, alcancando o
controlo policial de Sarchu (4253m), ao fim de 36Km.
Um pouco mais a frente, existem tendas. Sao restaurante e hotel. Sem um especial criterio de escolha, decidimo-nos pela "tibetan kitchen". Uma primeira tenda serve de cozinha/restaurante e outra, contigua, de dormitorio. 50 rupias para dormir.
Pedimos thantuk. "Big Thantuk", digo, porque era elevado o apetite geral.
As bicicletas nao cabem dentro. Ficam numa tenda pequena, onde cabem justas.
A porta do nosso "hotel" esta um autocarro com um pneu em baixo e alguns camioes estacionados para descanso dos condutores.
Um deposito de agua com uma torneira, a entrada, serve para asseio.
Servem-nos uma grande panela de thantuk e varias rodelas de chapati.
Na primeira tenda tambem dormem outros clientes, indianos, de Punjab.
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Baralacha (4880m).





Bharatpu.







Sarchu.

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Dia 5: Sarchu > Pang _ 74Km
Saimos cedo. O dia preve-se longo e dificil, com um porto de 5065m.
Sinto-me bem aclimatado. Deitei-me ainda com a persistente, nao demasiado forte, dor de cabeca mas despertei ja restabelecido. Parecia estar a aclimatar convenientemente.
Seguimos ao longo de um curso de agua que corre no fundo de um tipo de canyon.
Cruzamo-lo por mais uma ponte metalica (impressionante como aguentam o trafego diario de varios camioes...) e, um pouco mais a frente, comecamos a subida para o porto de Nakeela (4800m).
Ao longo de 20Km, vamos descrevendo curva apos curva e subindo, ao ritmo que a forca e a respiracao nos concede, tendo tambem que resistir ao calor.
Paragem para ingestao de bolachas enquanto apreciamos o desenho de um caminho em outra encosta. Sera de pastores? A onde acedera?
Os altimetros de Joan e Xavi ja marcam mais de 4800m e continuamos a subir. Sera que ja passamos e encaminhamo-nos para o Lachumgla a 5065m?
Falso alarme. A inscricao no marco nao engana. Mais longe do que supunhamos, alcancamos o Nakeela. Como em todos os cumes que temos encontrado, aqui tambem estao colocadas varias bandeiras de oracao budistas. Faz muito vento. Nao e o sitio ideal para parar e comer. Fazemo-lo um pouco mais a frente.
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Descemos cerca de 6Km e 100m de desnivel para voltar a subir.
Em 8Km, alcancamos os 5065m do Lachumgla. O primeiro 5000 de todos nos!
Estamos contentes, claro. Mas o dia ainda nao terminou. Para encontrar um lugar habitado, onde poderemos comer e dormir, ha que pedalar ainda 24Km. A descer...
Vamo-nos encerrando num vale impressionante, com formacoes rochosas que me recordam a Capadocia. E dificil olhar para a frente. A admiracao e constante com a paisagem em redor.
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E tarde e a temperatura desceu. O sol ja deu lugar a sombra nas paredes laterais por onde circulamos. E pena haver pouca luz para fotografar em condicoes.
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Em final de luz solar, chegamos a Pang (4440m). Outro ponto de controlo policial com as esperadas dhabas.
Estamos num plano superior e da porta de cada tenda todos nos chamam. Nao deve haver muitos turistas por estes dias...
E muito dificil tomar uma opcao. Porque escolher esta tenda e nao outra...
Joan demorou-se a fotografar e chega em ultimo. Encomendamos-lhe a tarefa: "te toca a ti elegir donde nos quedamos"...
-"Bueno... ayer nos serviran los hombres, hoy dejamos que nos sirvan las chicas..."
Optamos, em criterio justo, pela dhaba de onde umas raparigas nos chamavam.
No posto policial nao esta ninguem. Deixamos o registo dos passaportes para depois.
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Voltamos a pedir thantuk. Acompanhamos tambem com chapati e dal (lentilhas).
A noite passada tinha passado frio. Desta vez, recorro a uma das pesadas mantas disponiveis e chego a acordar com a sensacao de ter entrado num forno.
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Perguntamos se em Debring, a cerca de 47Km, existe algum lugar semelhante.
Debring fica antes da subida para o Tanglangla (5360m). Se nao pudermos ficar ai, no dia seguinte temos que tentar passar o cume.
Recebemos informacoes contraditorias. Perguntando por ali, uns dizem-nos que existem dhabas, outros que nao ha nada...
Por prudencia, far-nos-emos ao caminho tao cedo quanto possivel.
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Joan, Xavi e Anna. Sarchu.














Nakeela (4800m).






Chegando ao Lachungla.


Lachungla (5065m).










Pang.

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Dia 6: Pang > Rumtse _ 96Km
Dito e feito, saimos cedo.
Pedalamos 10Km, subindo aos 4700m. Chegamos a um planalto. O vento esta forte e de feicao.
A estrada e uma ampla zona de terra. Circulamos os quatro lado a lado, escolhendo o melhor caminho e as zonas menos arenosas.
Em determinado ponto, voltamos a encontrar uma so via, alcatroada. Vamos mudando de direccao e o vento comeca a fazer-nos frente, com a mesma intensidade com que nos vinha a acompanhar.
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Em Debring, de facto, nao existe nada. Apenas casas em ruinas. Construcoes todas semelhantes. Teria sido um posto militar?
Ao longe, vemos o cume do Tanglangla. Marcos na estrada indicam que esta a 20 Km. Como as distancias enganam... parece menos. Teremos que vencer quase 800m de desnivel, contando com os efeitos da altitude.
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O grau de inclinacao nao e pronunciado. A subida vai-se fazendo, devagar mas de forma ligeira. No entanto, a altitude limita-nos. Sentimos que o esforco e controlado e possivel mas o ritmo tem que ser aquele imposto. Nao podemos dar muito mais. O ar e seco. Noto-o bastante nas notas impressas (acerca do trajecto) que vou consultando. As folhas quase se rasgam so manuseando.
Forco-me a beber agua.
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A cerca de 6Km do topo encontramos duas tendas. Mesmo a calhar. Para nos reunirmos, e repor algumas calorias.
O fogao a combustivel torna o interior saturado de fumo. Tomamos cha negro com gengibre e os ovos cozidos sabem-nos de forma maravilhosa.
Muito pouco falta para atingir o ponto mais alto da rota. Estamos muito bem de tempo (luz solar). Parece que conseguimos.
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Conseguimos, de facto. O obturador da minha camara fotografica sobe e desce, registando os sorrisos do grupo iberico no topo do Tanglangla (5360m).
A camara tambem sofreu mal de altura e o auto focus, funciona de forma intermitente.
O valor elevado da cota parece unir deuses e crencas. O templo que ai existe, conjugadas no mesmo espaco, tem imagens hindus, budistas e catolicas.
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Nao temos muito tempo para celebrar. Tentaremos dormir em Rumtse (a ver o que encontramos...).
Ainda nos faltam 20Km. Serao em descida mas esta depende muito da qualidade do piso.
Ao inicio, o alcatrao e novo. Pouco depois, existem areas ainda por reparar. Sao trajectos curtos. Desceremos por bom piso ate perto de Rumtse onde chegamos, para que a tradicao se mantenha, quase de noite.
A 5Km do ponto esperado, encontramos duas dhabas e instalamo-nos (4300m).
O valor da dormida, nestes hoteis de tela, e sempre o mesmo: 50 rupias.
Encomendamos jantar. Desta vez, arroz com dal e... chapati. Repartimos uma cerveja quente e brindamos ao alcancado.
O tempo de preparacao do jantar parece-nos uma eternidade. Estamos mais habituados a restaurantes ocidentais, onde algum componente do menu ja esta preparado e acelera o processo...
O espaco horizontal e justo para os quatro. Distribuimo-nos em diagonais, cabeca com pes, em parte do perimetro circular da tenda.
Esta dhaba estava mesmo junto a estrada. Os camioes parecem entrar pela casa adentro...
Como nas noites anteriores, adormeco de imediato mas passo parte da noite desperto.
A insonia e um sintoma comum no processo de adaptacao a altitude.
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Controlo policial em Pang.


Pang.




Ao inicio do planalto.











Dhaba antes do Tanglangla.




Anna, Joan e Xavi...


...no Tanglangla (5360m).



Descendo para Rumtse.

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Dia 7: Rumtse > Leh _ 85Km
O ar da manha, no interior, e muito pobre em qualidade. Ao fumo do fogao, junta-se o dos escapes dos camioes em frente da porta.
Apenas reconfortados por um copo de cha masala, decidimos arrancar. Tentaremos pequeno-almoco na aldeia de Rumtse.
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Logo cedo, tenho a sensacao de ter entrado num outro pais. As construcoes sao diferentes, assim como a fisionomia das pessoas. Tenho vontade de fotografar a cada metro.
Apos comermos em Rumtse, progredimos de forma muito lenta. Estamos deslumbrados com a paisagem, com as marcas culturais... queremos registar tudo.
O relevo apresenta-se em descida. A estrada vai bordeando um rio.
Encontramos pequenos povoados onde figuram varios "Chortens". Sao monumemtos funerarios que contem as cinzas de Lamas ou de outras importantes figuras religiosas. A crenca sustenta que a presenca destas construcoes afugenta os maus espiritos.
Este dia sera, de facto, de uma grande riqueza cultural.
A fronteira natural que atravessamos durante os tres ultimos dias, atraves de imponente e despovoada montanha, trouxe-nos outra, muito distinta, realidade cultural.
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Em Upshi (3500m) vemos, pela primeira vez, o rio Indus.
Mais a frente, a 16Km, almocamos em Karu. Antes, circulamos por mais de 5Km de uma area militarizada. O controlo de kashmir (a proximidade com a China e o confronto latente com o Paquistao na indefinicao de fronteira) pretende-se assegurado...
Na Punjabi Dhaba e-nos apresentada uma travessa em inox, compartimentada. O espaco maior destina-se ao arroz. Outras 3 concavidades albergam variedades distintas de confeccao (sobretudo condimento...) de vegetais.
La fora, o calor, que subiu quase de forma extrema, torna muito maleavel a lona dos alforges.
Um mosteiro, ao longe, impoe a sua presenca, dominando todo o cume de um monte. Enquanto nos aproximamos, trocamos de bicicletas. Queremos experimentar tudo!
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O mosteiro fica a um curto desvio da estrada e decidimos visita-lo.
No primeiro metro sobre a ponte de madeira, que havia que cruzar, a minha corrente decide quebrar. E a segunda vez. Tenho algumas duvidas sobre a resistencia de proximos quilometros.
Demoro-me muito na reparacao. A ferramenta que trago, para abrir os elos, esta semi-partida e faz com que a tarefa exija a paciencia de um ourives. Algo nao muito facil com o sol a escaldar e dois indianos colados a observar, a 40 cm...
Demoro-me tanto que Xavi e Joan voltam atras para me ajudar.
Bom, a corrente esta fechada, mais curta... experimento um pouco... salta na cassete, de forma regular, a mando dos manipulos e do desviador... veremos quanto tempo mais aguenta.
Visitamos o mosteiro e saimos apressados. Fez-se tarde.
Ainda ha Km's para Leh e algo de subida.
Encontramos muito mais transito. Atravessamos varias povoacoes. O Ladakh tem realmente muitas novidades em relacao aos dias anteriores e continuamos fascinados com a diversidade.
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Pedalo mais junto a Joan. A 15Km do destino digo-lhe: " Leh... quien se lo diria. Lo logramos! Estamos tan cerca y parece que llegamos aqui como si nada...". Acabo de dizer isto e o vento revela-se extremamente forte e contrario. Querendo mostrar que chegar a Leh nao e tarefa assim tao facil e que algum esforco extremo nao ficara apenas em memoria mais antiga.
De noite, como constancia, chegamos a capital do Ladakh (3523m).
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Hotel Rumtse



Criancas em Rumtse, onde tomamos
o pequeno-almoco.













Upshi.


Chegando a Karu.





Mosteiro Stakna.





Mosteiro Thiksey.




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Sinto-me muito satisfeito. Reforcado na confianca pela experiencia, privilegiado por ter podido viver e apreciar magnificas paisagens e ambientes.
Pela oportunidade de o ter feito na companhia, muito apreciada, de novos amigos em quem encontrei tanto em comum.
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Como incentivo a tentar este desafio, tive as preciosas notas de Pedro Pedrosa.
Esteve aqui outras vezes e me cedeu apontamentos fieis de distancias, desniveis e descricoes de lugares para abastecer e repousar.
Fundador de uma muito inspirada agencia de viagens; onde propoe este mesmo trajecto como programa assistido.
Interessados nesta, ou em outras aventuras, poderao consultar:
http://www.a2z-adventures.com/
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Radio Tamarugo continuara em territorio himalaico.
Caso a ligacao a espaco virtual o permita, tentaremos contar vivencias posteriores.
Um grande abraco a todos.

13 Comments:

Anonymous Anónimo said...

João querido:
Li agora mesmo este relato.Impressionante!!!
Fico contente por te saber tão feliz com mais essa conquista e tão
impressionado com a dimensão dessa natureza bela e inóspita. Cuidado com a gestão do esforço!
Mandei-te um mail esta tarde.
Muitos , muitos beijinhos.
Tia

1:44 da tarde  
Anonymous Anónimo said...

Eh Janecas
É 1,10 horas da manhã e aqui estou eu e a mãe a ler e a imprimir os teus impressionantes relatos velocipédicos.
Pelos vistos a tua ´´companheira´´ já não se está a aguentar lá muito bem; para a próxima viajem( pois decerto que vai sempre haver uma próxima ) terás que levar uma suplente, uma espécie de bici-quatro.
Cada vez estamos mais embasbacados não só pelos relatos mas também pelos sítios onde consegues chegar.
Esperamos que tudo te corra da melhor forma.
Que impressionante relato com que ,mais uma vez, nos brindaste!E que sensação de felicidade nos consegues transmitir!
Só por isso vale a pena esta já tão avançada ausência...
E perante tanta emoção já pouco ou nada há a acrescentar.
Continua,pois,a alcançar estas conquistas dentro desse teu espírito tão peculiar.
Muitos,muitos beijinhos dos cotas.

5:43 da tarde  
Blogger Sara said...

Heia!
Acho que devias fazer um seguro às pernas (como as actrizes e as modelos)... elas atravessam tudo! Este percurso é impressionante e parece ter sido muito bom fazê-lo acompanhado, para variar.
Resta-me dar-te os parabéns pela tua conquista e deixar-te um abraço. Espero que tudo continue a correr bem.

3:04 da manhã  
Anonymous Anónimo said...

sou o joão da sandra lopes e do quinho. um passou-bem e boa viagem

11:42 da manhã  
Anonymous Anónimo said...

João,
Mais uma vez li com atenção a tua emissão com a emoção de todas elas...que belas paisagens...

Grande Abraço,
NM.

3:15 da tarde  
Anonymous Anónimo said...

Eh Grande JOÃO!
Parabéns,muitos parabéns,acabei de ler esta magnífica crónica da conquista dos Himalaias,estou emocionada c/seu relato mas muito feliz por si.Que bom ter a companhia de + três desde já "grandes amigos"pois essas aventuras que passam juntos,ficaram para sempre na vossa
memória.João,não sei que lhe diga mais pois as minhas palavras não são nada comparadas a tudo aquilo que nos tem enviado.Continuação de uma muito boa viagem ,com grandes e boas recordações.
Um grande abraço do Luis(ele é preguiçoso para lhe escrever mas imprime todos os relatos para ler c/atenção quando estiver aposentado.
Muitos beijinhos e um grande abraço da amiga de sempre.
São

7:26 da manhã  
Anonymous Anónimo said...

Sparrow,

Que aventura! À Cotovia dava-lhe o pifo com tanta altura. Consegues respirar? Faz movimentos lentos pra economizar oxigenio.
Ainda bem que encontraste esses hermanos. Para alem das admiraveis descrições, fiquei a pensar na sopinha.

Vou pedir à minha prima "Felosa dos Himalais" (é um passaro, ha ha ha) para ir olhando por ti. O seu nome não é muito credivel mas confia. Se vires algo a voar sobre o teu grupo insistentemente - é ela!

vai em frente grande pirata bicicleteiro.

cotovia

9:37 da manhã  
Anonymous Anónimo said...

Hey, Joshua!

Não sei que diga... passei, como de costume, para deixar um abraço em diferido. A fasquia está demasiado alta para conseguir comentar o que quer que seja. É como se a dificuldade de respiração daí, tambem se sentisse no fólego necessário para teclar.

um abraço dos grandes, da Casa Azul

p.s. cuidado com as descidas em prancha, ao lusco-fusco.

2:59 da manhã  
Anonymous Anónimo said...

que dizer dessas altitudes que fazem vertigens a quem está à cota 800? por aqui vamos seguindo as tuas aventuras. até agora so ainda não vislumbrámos as belezas himalaianas que o nosso velho camões descobriu mais a sul. força nesses pedais que a corrente vai aguentar. um abraço vibrante da familia dos amantes.

6:47 da tarde  
Anonymous Anónimo said...

Querido João,

depois de mais de duas semanas na praia na Ericeira (cota 0 !!) sem ver e-mails (que sabe até muito bem de vez em quando!) e sem ver teu blog (o que me deixava curiosa a pensar onde estarias e como estarias), soube-me bem ligar o computador e , além de trabalho, ter tanta fotografia nova e tanto avanço na viagem! Parabéns por estares nos Himalaias e pela cota dos 5000 m! As fotografias fantásticas e os teus relatos continuam a levar-nos contigo por essas paragens! E que bonita paisagem! Ainda bem que tiveste companhia, de vez em quando deve saber-te bem! Muitas beijocas!

10:11 da manhã  
Blogger Gato said...

que paisagens!
que grande viagem!
Parabéns!
já agora uma dica: para a próxima leva alguns elos de ligação para a corrente e reduzirás em muito o tempo de reparação. :))
abraço

8:21 da manhã  
Anonymous Anónimo said...

Ola João
A tua bicicleta já deve acusar algum cança -so mas o dono parece que não sempre com boa disposição para nos contar o que vai vendo.
Acho que te sentes feliz.
Beijos da amiga

Setembrina Figueira

7:00 da manhã  
Anonymous Anónimo said...

Olá amigo João, dou-te desde já os parabéns por tão bonita viagem! boa sorte! saudações e energias do deserto do Saara!

2:38 da manhã  

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