domingo, fevereiro 26, 2006

Caminhos de água


_Limite entre a X e XI regiôes. A 307 Km de Coyaique.

Radio Tamarugo, em versäo austral, volta a transmitir. Está frio no estúdio. Lá fora a humidade anda pelos 100%. Parte vem acumulada no locutor (ainda do dia de ontem).
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Em retrospectiva:
Na manhä em que escrevi o post anterior saí de Chaiten. Estava nublado e fazia frio. Os primeiros 20 Km säo asfaltados. Tive vento pelas costas (uma estreia) e pude "voar".
Esperava chegar nesse dia a Puerto Cardenas, junto ao Lago Yelcho.
Ainda no alcaträo, sinto um carro diminuir a velocidade quando se aproxima, no mesmo sentido em que eu seguia. Quando estäo mesmo ao lado, vejo que era uma família que tinha conhecido no barco, há dois dias. Detrás dos vidros é só sorrisos. Desejam-me boa viagem e retribuo "que les vaya lindo". Talvez ainda nos venhamos a encontrar.


_Saída de Chaiten.

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O pavimento dá lugar ao "rípio" que, no início, é muito solto.


_Aviâo-casa, no final do pavimento.

Há algum trânsito.
Cruzo-me com três furgôes transformados para viajar que conheço há muito tempo, através da internet. Sâo ingleses, Mercedes. Durante muito tempo segui o seu relato de uma viagem pela rota da seda. Nunca pensei vir a encontrá-los "pessoalmente".
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Passo junto ao cruzamento das "Termas del Amarillo". Esta é outra entrada para o Parque Pumalín. O meu objectivo está traçado a sul e continuo em direcçâo a Puerto Cardenas, junto ao lago Yelcho. Pensava terminar aí o dia.



Quando chego ainda é cedo. Näo há practicamente nada a nâo ser algumas cabanas para alugar e um mini-mercado. Existem outras casas particulares, com barcos "à porta". Este é sobretudo um lugar para pescadores que tiram proveito do lago.



_Lago Yelcho.

Sento-me a descansar e a comer chocolate. Consulto o guia para averiguar até onde posso chegar e decido-me pelo camping de "Ventisquero Yelcho", a 15 Km.
Cruzo a ponte suspensa e, acompanhado de chuva, sigo pela estrada que durante bastante tempo nâo abandona as margens do lago.


_Ponte sobre o Lago Yelcho.

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No camping de "Ventisquero Yelcho" sou logo recebido pelo Hector. Ele é o dono deste espaço. Passa aqui todo o ano. O que equivale a passar 10 meses em quase total solidâo, já que só há turistas em Janeiro e Fevereiro. Nos restantes meses, vêm deixar-lhe mantimentos com regularidade e correio (diz que, ao falhar um destes abastecimentos, já ficou uma semana sem comer). Como companhia tem apenas "Esperanza" ("la última que se muere"), a cadela. Daí ser um personagem bastante particular.
Ofereceu-me uma segunda cama na sua casa quando lhe disse que nâo tinha tenda. Fez questâo em deixar claro: "a mi me gustan las mujeres". Quando um chileno se riu desta conversa, ele reforçou: "... no, es que algunos europeus son gays y yo prefiero dejarlo claro."
Já era tarde para fazer o sendero que leva ao glaciar (ventisquero) e deixei para o dia seguinte.
Todos os campistas se foram juntando no café. Um senhor que estava com toda a família disse que tinha um grande pedaço de carne, que se ia estragar e que podíamos cozinhá-lo para todos... "y se armó la fiesta"!
Formou-se uma equipa para descascar batatas da qual fiz parte.


_O "ofertor" da carne, das batatas e da "bencina" para o gerador.

O Hector cozinhava a carne (já que nâo deixava passar ninguém para lá do balcâo) e as batatas eram cozidas do "lado de cá". A carne grelhada vinha chegando, era cortada em pequenos troços e assim íamos "picando".


_Hector cozinhando e... provando.

Havia um casal que engraçou comigo e estava sempre cuidando que näo me faltasse o café no copo (vermelho e também deles, por sinal). Eram de Osorno, estudantes.
As batatas ficaram prontas quando já näo havia carne. Comêmo-las temperadas com "aji" seco, nâo muito picante. Estavam "muy ricas". O senhor que ofereceu a carne nâo se conteve com a medida da generosidade e também pagou ao Hector para que mantivesse ligado o gerador mais tempo do que o previsto. Festa é festa!


_Fim de festa, quando as crianças já dormem nos bancos.

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Passei uma boa noite no colchâo da casa do meu anfitriâo. Por detrás da casa havia um lago e as râs cantavam com vontade. Sempre que "Esperanza", de porte médio, se mexia no pequeno alpendre junto à porta, a casa tremia. A estabilidade nâo era um ponto forte desta peça arquitectónica.



_Quarto e casa de Hector.

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De manhâ, parti em direcçâo ao glaciar. O tempo total do percurso ronda as 3h30m. De início desenvolve-se através de um bosque cerrado que se encontra também com as margens do rio. Depois, é necessário vadeá-lo.




_Sendero de acesso ao "Ventisquero Yelcho"

Assim que, já nâo andava muito seco quando começou a chover. Estive em dúvida se continuava.
Molhado por molhado, segui. Vale a pena.
Cruzo várias vezes o rio e outro afluente que provem de uma cascata.



É possível aproximarmo-nos muito do glaciar. Apenas o receio de um desprendimento leva a que a precauçâo prevaleça.


_Ventisquero Yelcho

O regresso foi de verdadeiro dilúvio. A zona de bosque era todo um chuveiro. Fazia lembrar os documentários de Attenborough com selva e chuva tropical. Só pensava na salamandra do café, desejando que estivesse acesa.
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Quando cheguei finalmente ao abrigo do interior tinha mais colegas com quem partilhar o miserável estado. Várias cadeiras com roupa foram sendo dispostas em redor do fogo.
Este nâo era um dia para partir. Practicamente toda a minha roupa estava encharcada e lá fora o tempo estava para se manter "así de feo". Passei todo o dia no café com Hector, Victor e Sebastian (dois estudantes de engenharia civil, de Santiago e Puerto Montt).


_Café do camping "Ventisquero Yelcho".

A certa altura fizemos uma "comissâo de lenha". Fomos buscar uns paus de coihue que o Hector tinha cortado o ano passado. Estavam longe, mais uma molha.
Jogámos às cartas (a um jogo chamado "carioca" que só começei a perceber depois de várias voltas) e tomámos pisco com limâo (oferecido por um casal que tinha saído nesse dia).


_Roupa a secar junto ao fogo.

Ao jantar comemos um puré feito com as batatas que sobraram, encimado por ovos estrelados e rodelas de tomate (a 800 pesos o quilo, como salientou o Hector).
Voltei a descansar no mesmo colchâo. A "Esperanza" já me ladra menos.
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Pela manhâ, o sol nâo conseguia romper o manto de nuvens mas, pelo menos, nâo chovia.
A cerca de 7 Km começa a "Cuesta Moraga", temida por ciclistas. Revelou-se maior o mito que a evidência. Nâo é tâo extensa nem difícil como a comentam.
Depois da grande descida que a sucede está Villa Santa Lucia.
Está em festa. Comemora-se o aniversário da fundaçâo que foi há... 24 anos. Quantas vezes terei a oportunidade de estar numa terra que comemore tâo poucos anos?


_Café em Vila Santa Lucia.

Parte daqui a estrada a Futaleufu, que se encontra a 70 Km para Este, junto à fronteira com a Argentina.
Depois de um café com leite (ou, nescafé com leite em pó) sigo de novo para sul, com destino a Villa Vanguardia.


_Villa Vanguardia

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Villa Vanguardia é um pequeno lugar. Sinto-me com vontade de pedalar mais e capaz de cumprir o objectivo até La Junta. Assim poderei compensar o tempo que fiquei retido no camping por causa da chuva.
Cruzo o rio Palena e também o limite entre a X e XI regiôes.
Chego já ao final do dia a La Junta. Pedalei 90 Km.
Como no restaurante Maricel (sopa de carne com verduras e esparguete com ovo estrelado).
Andei a averiguar o melhor espaço para estender o saco-cama e decido-me pelo alpendre de uma loja de artesanato e informçâo turística. Apenas terei que me levantar muito cedo, antes que abra.
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Durmo bem e levanto-me a contragosto. Era muito cedo e o frio correspondia à hora. Só depois de tudo "empaquetado" percebi que a loja nâo deveria abrir. Demasiado pó no interior e um pássaro sem vida faziam crer que aquela porta já nâo se abre há algum tempo. Num pasto próximo estavam três lamas.
Tomei café na bomba de gasolina, quando finalmente abriu. Antes estive a retemperar forças e a armazenar calor num fino raio de sol que ia vencendo lentamente a altura do cerro.
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Depois de La Junta estive muito tempo junto a um rio. Dormi de tarde o que me faltou de manhâ.
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Este dia de pedais termina em Puyuhuapi, a 48 Km de La Junta.
Também há festa. Assisto a duas "regatas". Säo corridas de botes de pesca,a remos. Primeiro "prueba de damas" e depois de "caballeros". Muito engraçado. Ao chegar à margem, ganha a primeira equipa que resgatar uma bandeira espetada no solo.


_Esperando o início da "regata" em Puyuhuapi.

Jantei numa "hospedage". Como nâo esperavam ninguém, partilharam o seu próprio jantar que era uma sopa de carne de porco com arroz. Pâo com manteiga e "tortas fritas" acompanharam o chá. Com esta sobremesa fiquei mais que satisfeito.
Ainda assisti a um baile no ginásio e dormi num posto de turismo abandonado.
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Tomo mais um dos meus típicos pequenos-almoços austrais. No norte comia sandes de queijo com café com leite. Aqui, no sul, tomo quase sempre dois iogurtes, sandes de queijo ou fiambre e chocolate de amêndoas. Troquei as mesas de café pelos mini-mercados e bancos de exterior.
Abasteço-me para dois dias. As distâncias entre lugares de aprovisionamento tornam-se maiores. Tenho um grande saco de pâo, várias rodelas de salame, um reforço extra de chocolate e um quilo de pêras.
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A estrada segue bordeando o canal de mar.
Páro nas termas del Ventisquero a tomar café. Converso bastante com o proprietário. É muito simpático. Tem um estúdio de Design Gráfico em Santiago. Passa os dois primeiros meses do ano aqui, a controlar o investimento.
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Este foi um dia em que avançei muito pouco.
De Puyuapi ao Parque Nacional Queulat sâo cerca de 26 Km. Queria parar neste lugar para fazer um sendero que se aproxima de outro glaciar.
Existe um camping, controlado por Conaf (a entidade que gere os parques naturais). À entrada está Ivan, o guardaparque. Cobra-me 5000 pesos (pouco mais de 8 euros) pelo lugar de camping. Confirma-me que há um "techo" que me abrigue e diz que "más luego, si Dios quiere, nos vemos".
Antes de ver que tal era o lugar número 10 que me havia atribuído deixo a bicicleta presa no letreiro com o mapa e vou fazer o percurso. Sâo cerca de 3250m através de densa floresta e ao longo de um cerro até ao mirador que propicia uma excelente vista para o "ventisquero colgante".


_O "sendero" começa numa "puente colgante" sobre o rio.

Estes "senderos" que tenho feito agradam-me bastante pois sâo arranjados apenas o suficiente para permitir penetrar na densidade da vegetaçâo. Mantem-se assim um caminho bastante natural.
No mirador, o ruído da cascata é impressionante e as fracturas do glaciar assemelham-se a trovôes.


_"Ventisquero Colgante" e "Laguna Médanos".


_O Pena já lá tinha estado.

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Vou para a minha casa, o "techo 10".
O châo, debaixo da área coberta está coberto de pedras soltas. Parece que dormirei em cima da mesa. O comprimento é um pouco justo. Deito-me ainda mal anoitecia. Já tinha comido a minha décima sandes de salame e tomado um duche quente (finalmente, ao fim de 6 dias).
Estava assim, ainda por adormecer, a interiorizar o espaço em que me deitara para que o sono também o retivesse e nâo me fizesse cair, quando chega o guardaparque.
"Vamos te invito a mi casa, a dormir y a comer algo. Trae tus cosas." Apalpou os dois milímetros de expessura do meu colchâo e disse que "ni a palos dormiría así".
"Bueno", deixei a bicicleta presa na grelha do fogareiro (o Ivan garantiu-me que ali "no pasava nada") e fui para sua casa.
Tinha lavado alguma roupa e pude secá-la no varâo do fogâo de lenha.
Comemos "pato silvestre" temperado abundantemente com alho e reforçado com "aji chileno" picante. Tomei três canecas de chá de um pacote com saquetas sortidas. Sei que o último era de camomila e deu-me uma tal pedrada que mal podia abrir os olhos.
O Ivan deve ser um romântico, pelo menos a julgar pelos gostos musicais. Escutámos um cd completo de harpa que "varreu" clássicos de Aznavour a Demis Rossos e a "sessâo" terminou com Kenny G.
O fogâo aquece toda a casa. No interior tem um circuito de água que liga à canalizaçâo de água quente.
Os quartos eram no andar de cima e a mim calhou-me um com vista para o glaciar, iluminado pela lua cheia.
Foi uma noite bastante repousante. Bem melhor, seguramente, do que na mesa em que me deitara. Gracias Ivan.
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Chegámos ao dia de "ontem", Sábado, 25 de Fevereiro.
Pensei em desviar-me a Puerto Cisnes. Trata-se de um desvio, para Oeste de 32 Km. Li que seria uma terra bonita, junto ao mar e, tendo tempo, valeria a visita.
20 Km depois do Parque Nacional Queulat está a "Cuesta Queulat". Sâo 7 Km de pura subida. Apesar de acompanhada de chuva, nâo foi tâo difícil como cheguei a pensar.
Imediatamente antes de começar a subir está o sendero Padre Garcia. Muito curto, conduz a uma queda de água.
De sul para norte, cumprimento um jipe pejado de bandeiras em autocolante e que dizia "Travessia México-Tierra del Fuego". Deveria estar já de regresso. Também no mesmo sentido encontro um camiäo alemäo carregado de turistas.
O tempo de descida, após vários quilómetros em que aqueci a pequena roda pedaleira, é infindável. Vinha molhado e o frio saiu reforçado.


_Parte de descida da Cuesta Queulat.

Passei pelo acesso a um sendero. Chamava-se "El bosque encantado". Muito sugestivo, mas era de 1700m, chovia e andava a ver o que fazia com o frio.
Quando cheguei ao cruzamento para Puerto Cisnes já nâo chovia.
A poucos quilómetros de me ter decidido pelo Oeste e pelo mar, num momento de pausa e de pâo com salame, volta a cair água como corresponde nestas paragens. Desde aí até Puerto Cisnes foi o dilúvio com ciclista incluído e o meu guarda-roupa, que está à altura de Varadero em época alta, mostrou que prefere melhores dias.
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Estava decidido que esta noite teria que levar a marca de "hospedaje". Andei às voltas, e à chuva, a ver qual me parecia mais adequada ao deplorável estado do futuro inquilino.
Bati a boa porta. A senhora era muito simpática. Antes de entrar, varreu a lama dos meus alforges.
Por casualidade, estavam também aí alojados dois ciclistas, o Andres e o David, que já tinha conhecido no ventisquero Yelcho. Sâo estudantes de medicina dentária e, outra coincidência, colegas de turma de Juan Pablo, que conheci no barco para Caleta Gonzalo há muitos dias atrás.


_Andres e David, colegas de aventura.

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Como soube bem um banho quente! A casa é toda em madeira, muito acolhedora. Pago 3500 pesos (bem menos do que no camping onde quase dormia sobre uma mesa).
A senhora cozinha num fogâo a lenha. Sequei o casaco na caldeira de água quente e as botas na chaminé do fogâo.
Jantei na própria casa, "Vitelo a lo pobre" (é um bitoque, com ovo no dorso). Como companhia de refeiçâo tive um casal recém-casado. Ele é técnico radiologista e ela enfermeira.
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Partilhei o quarto com os meus colegas de experiência velocipédica.
Amanheceu com chuva. Eles "andam cortos de tiempo" e saíram mesmo assim. Querem tentar boleia e por isso tiveram que se fazer à estrada.
Eu fico um dia por aqui. Queria dispensar este tempo ao blog e espero que amanhâ o dia esteja um pouco mais risonho. "Así o así", terei que fazer os 32 km de volta até ao cruzamento e outros tantos para chegar a Villa Amengual.

P.S. Muito obrigado a todas as visitas. Embora o acesso à internet seja agora muito mais restrito e "espaçado", várias vezes vou pensando se terei mais mensagens. É muito bom sentir-me assim acompanhado.

segunda-feira, fevereiro 20, 2006

Parque Pumalín


_Acesso ao camping "El Volcán". Parque Pumalín.

Estou em Chaiten (significa "canastro de água"), surpreendido e contente por continuarem a chegar novos ouvintes a esta emissäo e muito agradecido pelas fiéis visitas. Este teclado, como todos, tem as suas particularidades. O acento agudo está na tecla do "grave", este último näo existe (ás vezes será substituído pelo "agudo") e o trema está na tecla do circunflexo (que está em parte incerta).
Os bancos sao de madeira de alerce, toscos, assim como as mesas e divisórias entre monitores.


_Chaiten. Amanhecer nublado, sem chuva.

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Em Hornopirén tomei o ferry como previsto e tive que desembolsar o bilhete da bicicleta, já que nao embarcou nenhuma carrinha que a pudesse carregar no dorso. Antes ainda encontrei o mecanico/pescador e resolvi a pequena avaria.
Estou muito satisfeito com a bicicleta, tem-se portado á altura das provacöes. É muito mais confortável do que julgava, apesar de ser de alumínio, um material quase ausente de flexibilidade.
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A viagem de barco durou as tais 5 horas previstas. A paisagem näo foi muito apreciada pois näo havia quase visibilidade.



_Travessia Hornopírén/Caleta Gonzalo.

Choveu sempre. A estanqueidade dos alforges deve andar pelos 70% o que significou um livro empapado cujas páginas dobraram de volume.
Tenho muito pouca bagagem, que se vai revelando suficiente. As carencias säo contornáveis e as vantagens de pedalar bem mais ligeiro säo mais que significativas. Sobretudo neste tipo de terreno.
No barco conversei com o Juan Pablo, de Santiago. "Mochilero" solitário por acidente. Atrasou-se na partida e acabou por sair depois dos companheiros que já andam pela carretera austral. Também vinham dois cicloturistas, chilenos, bem simpáticos. A sua vontade de pedalar näo é muita e revestem a situacäo de muito humor.
É possível avistar algumas focas exibindo-se com piruetas na água e, pelo menos, um pinguim.
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Chegámos a Caleta Gonzalo ainda com a persistëncia da chuva.


_Rampa de Caleta Gonzalo.

Esta é já uma das entradas do Parque Pumalín. Trata-se de uma área privada, pertencente a Douglas Tompkins (criador da marca "The North face" e actual dono da marca "Esprit"), norte-americano, adquirida pelo mesmo em 1991. O propósito principal é a preservacäo desta área. Existem vários pontos onde é permitido acampar, com equipamentos de apoio. Uma tenda paga 1500 pesos (cerca de 2,5 euros) e por um "fogón" (construcäo semi-fechada, com telhado e podendo ter um espaco para fogo ao centro) cobram 5000 pesos.
Como a minha condicäo é a de "sem-tenda" tive que pagar um destes espacos. Näo é possível contornar esta situacäo já que todo o parque está vigiado como deve ser.


_Centro de informacäo do Parque Pumalín.

O primeiro camping é logo em Caleta Gonzalo e fiquei por ali.
Correspondeu-me o "fogón 1" que está por detrás do centro de informacäo, a poucos metros da rampa do "transbordador".



_Acesso e "interior" do Fogón 1.

No camping esxiste um "Kiosco" onde comprei queijo, fruta, leite achocolatado. Ofereceram-me päo duro pois näo havia outro.
Passei uma bela noite deitado no banco do fogón. Tem cerca de 40 cm de largura. Näo caí, o que significa que tenho um sono... equilibrado.
Antes de adormecer, tomando atencäo aos sons, escutei: uma cascata, räs e a chuva no telhado.
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Amanheceu com chuva, miúda e, aparentemente, com pouca vontade duradoura.
Este dia, tomei Chaiten como meta.
Ainda entrei no camping Caleta Gonzalo, cruzando a ponte suspensa sobre o rio Negro.


_Rio Negro.

Estive a fotografar a casa dos guardas, o "Kiosco", a horta, o mini-aeródromo, as cercas...



_Camping Caleta Gonzalo.

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Pedalar neste espaco é tudo quanto podemos pedir. A estrada vai atravessando pura selva. Há pumas e javalis que desaparecem quando detectam a proximidade da espécie humana.



_Parque Pumalín.

Cruzo várias pontes sobre rápidos rios. Há cascatas junto á estrada.
O piso é bastante bom. Está coberto por uma terra negra e compactado pela chuva. Há menos atrito. Há sempre subidas e descidas, dispostas em muitas curvas.


_Um nome "familiar".

Chega a acontecer pedalar em puro silencio sem que passe um único carro durante uma hora.
Também existem vários "senderos" sinalizados que comecam na berma do caminho.
Entrei em apenas um. Chamava-se "Los Alerces" e o circuito decorria por um bosque desta espécie, algumas com, pelo menos, 1500 anos (podem alcancar o dobro desta idade).



_Sendero Los Alerces.

Quando voltei á bicicleta, uma senhora aproximou-se com um termo de café com leite. Que rica oferta! Era um casal de Oregon, USA. Viajavam com um carro alugado na argentina. "Gabou" o pouco volume do meu equipamento, "queixando-se" de terem o carro demasiado carregado.
Também entrei, para conhecer, no camping "El Lago Negro" e fiz o sendero até á água.



_Caminho de acesso e "Lago Negro".

Depois, visitei o camping "El Vólcan".
Quase no final do parque cruzei-me com alguns "mochileros" á boleia e dois jipes suícos de sul para norte (provavelmente percorreräo todo o continente).
Só choveu nos primeiros quilómetros. O resto do dia esteve nublado, perfeito para pedalar. O ar näo é demasiado frio ao ponto de superar o calor do exercício.
Fui gerindo o pouco päo e queijo que sobraram, já que em todo o resto do parque há apenas um mini "almacen" no camping "El volcán" cujo irregular horário de abertura está sujeito á intermitente presenca do guardaparque.


_Carretera austral junto ao "Lago Blanco". Ainda Parque Pumalín.
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O parque termina cerca de 10Km (seräo? Näo tenho conta/Km e já percebi que nem sempre os meus cálculos andam correctos) antes de Chaiten. Nota-se imediatamente no cuidado da estrada e das suas paisagens. O piso volta a ser muito mais solto.
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Deviam ser cerca de 19h00 quando cheguei. Fui á "caseta de información" onde fui recebido por uma senhora com pouca vontade de exercer o que lhe correspondia.
Cá fora conheci uma senhora canadiana muito simpática com quem falei cerca de uma hora sobre temas variáveis entre a carretera austral, as paisagens do seu país e do meu.
Ela vem de sul para norte e deu-me alguma referëncias sobre o que virei a encontrar. Está há 3 dias em Chaiten, esperando o barco que esta noite fará a viagem para Puerto Montt.
Muitos viajantes tomam este barco desde Puerto Montt e comecam em Chaiten o périplo pela carretera austral. É uma pena que percam a passagem pelo parque Pumalín. Como será uma pena que eu também näo tenha tempo de fazer o desvio a Futaleufu, por exemplo. Há que fazer opcöes mas tentando reduzir ao máximo os lugares que classifico de "para a próxima".
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Decidi que era altura de comer salmäo "en su sitio" e procurei o restaurante mais modesto. Fui bem atendido, o prato era bem grande e a salada "para dois". Com bebida e chá ficou por cerca de 6 euros.
Aí houve uma conversa "inter-mesas" com uma família argentina e carreguei a bateria da máquina fotográfica.
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Ao final do jantar procurei alojamento. Tinha visto um camping á entrada de "Chaiten", frente ao mar.
A escolha näo podia ter sido melhor. Trata-se uma casa com um pequeno espaco de quintal onde se pode acampar. Aí vive Gregorio Bravo, um senhor de 68 anos. É de Coquimbo, norte de Chile. Há dois anos chegou aqui, disposto a um ano "sabático" no sul. Ficou mais tempo. Agora vai mudar-se para Futaleufu, "mais cuidado". Aluga esta casa que foi já construída como espaco para servir refeicöes.
Quando lhe digo que näo tenho tenda e procuro um espaco coberto oferece-me o sofá da sala. Como prefiro dormir ao ar livre digo-lhe que me contento em dormir debaixo da casa, construída sobre estacas para evitar a humidade do solo.
A casa-de-banho é no interior.



_Interior e exterior da casa de Gregorio. Dormi junto á bicicleta.
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Durmo muito bem, apreciando o esquema eléctricos, a canalizacäo e as solucöes de isolamento.
Pela manhä, acordo com os passos de Gregorio no sobrado que me serve de tecto e a música do rádio.
Tomo o pequeno-almoco "adentro". Maior variedade seria difícil. Havia: päo, mortadela, manteiga, compota, "dulce de leche" de compra e caseiro com nozes, frango guisado (resto do seu jantar), café com leite e água quente para um próximo nescafé.
Para completar, sentou-se comigo e satisfez toda a minha curiosidade sobre o seu percurso, o Veräo e o Inverno austral, as madeiras da casa, técnicas de construcäo...
Gregorio estudou Teatro e Artes Plásticas. Tem-se dedicado a formar ateliers de expressäo teatral em escolas primárias. Como sempre teve "parcelas" no norte tem também grande experiëncia sobre "culturas frutales bajo plástico" e enxertias. É uma área de formacäo a que também se dedica.
Conta-me que o Parque Pumalín, para além do seu encanto tem situacöes menos boas. Por exemplo, que quando os terrenos foram adquiridos, todos os colonos que antes aí se tinham estabelecido, incentivados pelo governo da altura a povoar uma área inóspita, foram "expulsos". Também disse que tem havido entraves á construcäo de uma ligacäo terrestre a norte do parque. Assim deixariam de estar dependentes da única, e cara, solucäo marítima.
Por isso em quase todas as janelas de Chaiten se lë: "Camino a Chile, ahora!". Como se, assim isolados, estivessem num outro país. Este entrave nem parece legal pois o território junto á costa, onde pretendem construir a passagem é, forcosamente, público.
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Os 1500 pesos que seriam a tarifa do camping passaram a 500. Disse que näo me podia cobrar tanto por uma situacäo de "hospedagem" täo peculiar. Com o rico pequeno almoco ficou tudo por 2000 pesos (pouco mais de 3 euros).
Espero voltar a encontrar Gregorio. Para a próxima em Futaleufu. Onde me assegurou que também queria encontrar assim uma casa, que reunisse sala e cozinha no mesmo espaco para receber pessoas. Tudo a precos módicos. "A los 68 años no voy a ser milionário".
Dentro de um mës já aí estará. Quem for para esses lados procure Gregorio Araya Bravo.
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Agora, "ala que se faz tarde". Espero chegar a Puerto Cárdenas, junto ao Lago Yelcho.
Um grande abraco a todos. Näo sei quais seräo as possibilidades de comunicar daqui para a frente. Sempre que possa, Rádio tamarugo está no ar.

sábado, fevereiro 18, 2006

Hornopirén


_Vulcäo Hornopirén

Claudio, Lucy, Mauricio, por favor, si podeis, escribi para mi email o dejai un comentario acá. Ya no tengo vuestra dirección.
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"Quien no ha visto los bosques de Chile no conoce el planeta" _ Pablo Neruda
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Finalmente estou na carretera austral.
No dia em que escrevi o último post ainda saí de Puerto Montt. Fiz os 45 Km que correspondiam até Caleta La Arena, onde seria necessário cruzar em ferry até Caleta Puelche.
Todo o caminho vai bordeando a costa. Apenas os primeiros quilómetros säo asfaltados. Depois surge o "ripio" (piso em terra, com muita pedra solta). Os carros que me cruzam, vindo de sul para norte, vêm em "magotes", sintonizados com os horários dos barcos que os trazem. Ao passar, envolvem-me numa nuvem de pó e projectam pedras que acabam em "tchins" na bicicleta. Até agradeço esta "patine" com que me revestem, adequando todo o meu novo equipamento mais a prateleiras de antiquário do que a lojas com spots de halogéneo.


_A 12 Km de Puerto Montt.
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Chego a Caleta La Arena ainda a tempo de tomar um ferry mas como quase escurecia prefiro ficar e cruzar no dia seguinte para fazer a travessia com luz natural.
Junto à rampa do "transbordador", do lado direito de quem se aproxima da água, fica um café em madeira chamado "Donde la Pola". Pois, "Pola" é o extremo da simpatia. Trata os clientes de "mi amor", toda a gente parece que a conhece e o ambiente geral é o de uma grande refeiçäo familiar. Eu também sou incluído. Serve-me dois enormes hamburgueres caseiros, com salada e chá por cerca de 3 euros. Diz que é um preço especial por ser "mochilero". Pergunto-lhe acerca de um sítio para ficar.


_"El rincón de Pola"

Diz-me que ali tudo é seguro, que "hay harta gente que se queda ahi". Assim, desintoxicando-me de tantas noites entre paredes e sono amparado por verdadeiros colchöes, volto a dormir sob as estrelas. A bicicleta prendo-a a um grosso cabo de amarre de um barco e comparto a noite, e o chäo da mesma, com um cäo que se afeiçoou a mim. De manhä, acordou-me, com vontade de brincar, saltando sobre o saco-cama.
Tomo o pequeno-almoço de novo no "Rincón de Pola", sem a presença da mesma. Volto aos "desayunos" chilenos de café com leite e "sandwich de queso caliente".





_Rampa e "transbordador"

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A travessia demora cerca de meia hora. Passamos cerca de uma "loberia". Os lobos-marinhos estäo mais do que habituados à presença destes diários colossos de ferro que os visitam e pouco se preocupam com a nossa navegaçäo.



_"Loberia".

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O desembarque é feito em Caleta Puelche.


_Caleta Puelche.

Desde aqui, está assinalado um trajecto de 54 Km (na verdade, é um pouco mais) até Hornopirén.


_Viveiros de salmäo

O piso continua com a mesma consistência e a morfologia por onde o caminho se desenvolve é bem mais variada que a do dia anterior. Há extensas subidas, outras curtas mas mais pronunciadas e descidas que obrigam a travar para manter o controlo.
Cada pedalada é acompanhada de golpes de direcçäo para manter a trajectória. Como o piso é muito solto, trata-se de constantes tentativas de derrotar o atrito e manter o equilíbrio. A roda traseira salta muito, apesar do peso, enviando diagonais de todo o conjunto. Parece que estamos sentados numa máquina de lavar roupa em momento de centrifugaçäo (a 600, pelo menos). O porta-bagagens, que até parecia forte, já dobrou (mesmo com pouco peso).




A paisagem é deslumbrante. A estrada desenvolve-se por uma península coberta de bosque. Existem desvios a alguns portos de mar: Caleta Contao, El Manzano, Pichicolo...).


_Caleta "Pichicolo".

Cruzo vários rios com pontes de madeira (sujeitas ao tráfego diário de todo o tipo de veículos, até autocarros e camiöes cisterna).




Em frente a muitas casas, do lado de fora da cerca e junto à estrada, há pilhas de lenha, para venda.



Dependendo das zonas e da densidade da vegetaçäo ou da proximidade de zonas húmidas estäo os meus amigos mosquitos (aqui, substituir os "itos" por "ardos". O primeiro sufixo näo parece muito adaptado a espécies com 2 cm). Numa das vezes que parei para fotografar tive que "fugir" saltando e abanando os braços. Uma curiosa réplica da "dança da chuva" com bicicleta incluída.



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Em Hornopirén é necessário fazer outra travessia de ferry até Caleta Gonzalo. Há apenas um barco por dia e sai às 15h00. Como sabia que näo chegaria a tempo, fiz o caminho sem pressas, repeitando o ditado "Quien se apura en la Patagonia pierde su tiempo".
60 Km diários, neste tipo de piso e excasseando as partes de terreno plano parece-me ser a meta que vou adoptar.
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Cheguei a Hornopirén esfomeado. Parei no mini-mercado "Karla" e abasteci-me de päo, queijo e bananas. Comi frente ao rio na companhia de umas crianças que pescavam com o fio enrolado numa lata. A conversa variou entre o preço da bicicleta e o Cristiano Ronaldo (menos mal que o produto da figueira näo foi chamado desta vez).
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Hornopirén (forno de neve) é também o nome do vulcäo perfeito que se avista (com 1572m de altitude).
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Dei-me por satisfeito com a ingestäo da chegada e chegou o momento de procurar alojamento. Averiguei que havia um camping a cerca de 2 Km a Este da povoaçäo.


_Rio de Hornopirén

Pelo caminho saltou um "crank" da bicicleta. É normal, quando säo novas, proceder a reajustes após os primeiros quilómetros. Esta, levou logo um trato tipo "centrifugadora" e a avaria antecipou-se aos ajustes. Näo tenho chave com este tamanho, há que esperar pelo dia seguinte em que volte, caminhando, até à povoaçäo.
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O camping "El arrayan florido" tem uma espectacular localizaçäo junto ao rio e com vistas para o vulcäo.


_Camping "El arrayan florido

Deitei-me junto a uma árvore e dormi até... começar a chover. Tive que fazer um rápido reconhecimento nocturno das áreas cobertas com a trouxa debaixo do braço.
O lugar que melhor me pareceu foi o alpendre da casa do guarda. Aí passei o resto da noite.
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De manhä, voltei empurrando a bicicleta para Hornopirén. Chove e faz frio. Como era cedo, tudo estava ainda fechado e deixei a reparaçäo para depois do pequeno-almoço.
Desta vez, o café com leite sabia a peixe mas a sandes de queijo sabia ao que lhe correspondia.
Fui a uma oficina e consegui apertar o parafuso täo bem quanto consegui com uma chave que näo era a prória. Foi uma senhora que me abriu a oficina e convidou a um "help yourself". O marido tinha saído a pescar.
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_Baía de Hornopirén

Continua a chover. Já tenho bilhete para o ferry. A bicicleta também paga mas ainda näo comprei a passagem pois há a possibilidade de subi-la em alguma carrinha que também faça a travessia. Incluída como carga näo é cobrada.
A viagem é de cerca de 5 horas até Caleta Gonzalo. Depois espera-me mais um dia a pedalar até Chaitén, onde espero voltar a dar notícias.